segunda-feira, 17 de maio de 2021

México

 O Gabriel é doido por comida mexicana e estamos sempre reféns disso na hora da refeição. Dá-nos a fome e andamos pelas ruas a percorrer os restaurantes, a olhar para dentro deles à procura dum sítio agradável para estarmos os três. Depois passamos por algum mexicano e o Gabriel fica preso.  Acha sempre piada à decoração e não descansa enquanto não entra. Os restaurantes ajudam, esforçam-se muito por ter uma decoração apelativa.  São ringues de wrestling, máscaras, sombreros, caveiras ou esqueletos. Depois o picante da comida dá-lhe um desafio extra, gosta de saber até onde aguenta, dois ou três símbolos de pimenta? As pessoas que estão nas meses parecem estar a divertir-se muito com os jarros de margueritas.

A Melissa preocupa-se com o preço e nunca deixa passar a observação, mas no fim a foto que tira para o seu stories acaba por compensar os 5 ou seis euros que, no seu juízo, pagou a mais pelo taco.


quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Rayo de Luna

"Menina, tu devia ter dado mais trabalho", disse o meu pai para uma estupefacta Melissa de uns 26, 27 anos, comparando-a ao muitíssimo trabalhoso irmão adolescente. Não era o Fernando que devia dar menos trabalho, era eu que tinha dado pouco, e dei mesmo - a adolescência passou por mim sem álcool nem drogas nem más notas nem indisciplina.

Só amores. 

Muitos, muitos, medonhos, dolorosos, desmedidos. Precoces.  Tenho quase a certeza de já ter escrito uma versão disto há uns anos, mas caramba, sou só uma, quantas coisas pode uma só pessoa viver? Vamos lá outra vez. O Samir no jardim de infância, aquela ansiedade toda de chegar mais cedo, de lhe dar as Pringles que mamãe trazia de Manaus. Olhar meninos na praia quando ainda andávamos todos nus. Dona Melânia toda a vida chamou-me "miolo mole", e tinha razão.

Tantos meninos.

O Stefan do sétimo andar. A mãe dele adorava-me, comprava-me prendas no Dia dos Namorados para o filho me dar lá em 1986. Em 1995, o Fernando, que morava no mesmo apartamento que o Stefan entretanto tinha vagado e com quem acabei tudo quando soube que tínhamos vindo ao mundo pela mão do mesmo obstetra, demasiado esquisito.

1987, colónia de férias do banco, Napoleão e as dores que me causou. Só pensava nele e ele, na Bárbara. No último dia sussurrou-me ao ouvido: *você é linda*, fazendo com que eu me atirasse para a piscina, esvaziasse os pulmões até chegar ao chão, tapasse os ouvidos e gritasse o nome dele ali para a água ouvir. 

O Renato, paixão perene da terceira classe ao sexto ano, ia e vinha em episódios mas sempre ali com a coisa em modo crónico. 

Rayo de Luna é Menudo na formação de 84, acho, Ricky Martin com 12 anos de idade a cantar o que eu queria ouvir de meninos.

Todas las mañanas mi niña
Guarda mis besos bajo la almohada

A primeira vez que reparei na letra deste diamantezinho romântico já foi em adulta e caramba, como voltei atrás, não em memórias de momentos mas desses calores: ainda não chamávamos paixões de emoções e emoções de hormonas, nada era explicado e era tudo avassalador - chegava do nada, consumia até às cinzas e procurava outro poiso.

Fundes el hielo con tu mirada 

Não sei se troco estas xaropadas teen por canções de amor adulto, para quê, também, né. 

Cuando besa dice primero
-Beso tus labios porque te quiero.

Menudo tem outras letras com outros versos deliciosos, do género "llega de pronto, llega sin avisar/ como flecha de buen arquero". Escrito a metro, porém rasgado. Estávamos bem entregues nos primeiros amores, foda-se. Muito por onde partir agulhas de gira-discos junto com o coração.


 


 

 


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Alianças

 Um dia, em julho, tirei a aliança para fazer qualquer coisa e reparei na enorme marca do sol, ali. Como as marquinhas que se fazem nas lajes brasileiras - MEU SONHO -, fincada, definida, aperfeiçoada por anos de estabilidade ali na base do anelar, sem grandes escorreganços, a fazer um calo muito sólido porque mão gorducha.

E pensei para mim: não. Não, isto não está bem. Esta marca está errada, linhas rígidas e o (nosso) casamento é tudo menos isso. Se o bronze aliâncico refletisse a nossa vida,  a minha mão esquerda seria uma onça pintada, círculos vários de uma aliança viva, sempre a mudar de dedo, como as marcas dos muitos sutiãs de biquíni que usamos no verão, tudo ali a cruzar padrões na pele e a contar tudo o que se passou.

Então tirei-a. Poucos dias depois, tinha um dedo perfeitamente solteiro, todo da mesma cor (azamiga da juventude diziam: a primeira coisa a olhar num homem é a mão esquerda, procurem a marquinha e identifiquem cafajestes.) 

Hoje a minha mão esquerda só a mim pertence e nada diz. 

Falei disso a uma amiga e disse-lhe: sim, sinto-me nua sem a aliança, mas é nua que quero estar.

Ao lado da do casamento, duas meias-alianças juntas:  uma de platina e diamantes que o meu pai ofereceu à minha mãe na gravidez do Fernando e que esta me ofereceu quando fiz 18 anos e outra de ouro com esmeraldas que o pai me ofereceu aos 21. Estão todas guardadas, não fiquei com nenhuma.

O Hugo usa a aliança dele normalmente, não é um assunto, 18 anos depois e os papéis dramáticos continuam a ser meus.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Porque não, né?

 O blogspot não morreu, foi só abandonado e não se conforma, não se vai embora, como a Lola do Barry Manilow.

Já foi cheap thrill, hoje assiste ao triunfo de coisas mais rápidas, e eu quero coisas mais lentas e pensadas.

Baby, voltei a 2011 e cá ficarei mesmo que só seja mato.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Lidar com o stress

Como eu queria lidar:
- meter-me no ginásio e só sair cinco horas depois, meio enlouquecida das endorfinas.
- sexo animal.

Como eu lido:
- sestas longuíssimas.
- lanchinhos.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Mulheres fenomenais

Conheço algumas mulheres fenomenais. E não é das minhas amigas que falo - se bem que as minhas amigas também são mulheres do caraças, mas antes disso são mulheres de sorte - nasceram no meio certo, tiveram a oportunidade de se desenvolverem até ao limite das suas capacidades, tiveram a autoestima bem nutrida em casa, enfim, vieram ao mundo com algum avanço na linha de partida -,  ao contrário das mulheres fenomenais de que falo. 

As mulheres fenomenais que conheço são outras, e são fenomenais porque fazem milagres todos os dias. São mulheres que têm muitos filhos e foram deixadas na mão por um ou mais homens. São mulheres que não podem tirar férias porque não sabem de onde virá o dinheiro na semana ou no mês seguinte. São mulheres que conciliam três ou quatro empregos mal pagos. Essas mulheres-fenómeno estão cansadas, cansadíssimas mas não podem sequer elaborar esse cansaço porque não há homens para as ajudar, os homens deixaram-nas mal como deixaram mal as suas mães antes delas. 

As mulheres não têm a opção de deixar uma vida madrasta para trás. Isso é coisa para os homens. 

São sempre elas que ficam com os filhos, as contas, o cansaço, o jantar a fazer, a loiça por lavar, as noites em claro por este ou aquele motivo, haverá sempre um motivo.

Os homens não têm de apanhar cacos. Os homens não têm de segurar a barra. Os homens têm sempre escolha.   

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A elefanta

Sonhei que eu e a minha mãe tínhamos uma elefanta já muito velhinha e doente. Sabíamos que teríamos de optar pela eutanásia em breve, mas não tínhamos coragem e íamos adiando e adiando.

Acabei por ir a um veterinário sozinha e expliquei-lhe o nosso dilema. O veterinário ficou possuído pelo diabo: como éramos capazes de prolongar aquela situação durante tanto tempo? Não sabíamos o mal que estávamos a fazer a nós próprias, muito acima da elefanta? Como podíamos ter tão pouco coração? O veterinário rabiscou o número de uma pessoa que podia ajudar-nos e berrou-me uma última vez: não espere nem mais um dia para resolver este assunto, é uma questão de amor próprio e pelo próximo.

Estou à procura da elefanta desde que acordei, há alguns dias.